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Sangue e manifesto em mostra de Christus Nóbrega, no STF

15 janeiro 2025

É com flores e plantas impressas com tinta a partir de seu sangue que Christus Nóbrega ergue seu jardim simbólico, no Supremo Tribunal Federal. A exposição Floricultura celebra a decisão histórica do STF, em 2020, que declarou inconstitucional a proibição de homens gays doarem sangue, reafirmando os princípios de igualdade e dignidade humana.

As obras expostas são originárias da série Sudário (2013), criada a partir de uma experiência discriminatória enfrentada pelo artista, em 1999: Nóbrega foi impedido de doar sangue para seu pai por ser homossexual. A recusa fazia parte da política nacional dos hemocentros brasileiros, que classificou seu prontuário como “sangue inválido”. Em 2011, iniciou uma pesquisa que durou três anos e resultou na produção da tinta.

O pigmento foi criado em conjunto com médicos e engenheiros químicos, seguindo um processo técnico rigoroso que incluiu anticoagulação, centrifugação, desidratação e a mistura em base alcoólica. O resultado foi uma tinta de alta qualidade que pode ser usado em impressoras residenciais e ressignificou um símbolo de exclusão em material de resistência e memória.

Inspirado pelo gênero da natureza-morta e sua complexa carga simbólica, o artista optou por imprimir flores. “Escolhi imprimir apenas flores porque elas representam oferenda e generosidade, um gesto que me foi negado. Transformar meu sangue em um jardim é dar vida e cor ao que tentaram apagar”, explica.

Na exposição, as flores e plantas formam um jardim simbólico, onde cada espécie carrega significados relacionados à luta por igualdade e resiliência. Orquídeas, lírios, gérberas e rosas representam afeto, beleza e doação, simbolizando tanto a fragilidade quanto a força da vida. Espada-de-são-jorge, guiné, comigo-ninguém-pode e arruda remetem às tradições afro-indígenas, evocando proteção espiritual e resistência frente ao preconceito. As tillandsias, plantas aéreas que sobrevivem sem raízes fixas, refletem a resiliência dos LGBTQIA+ que, muitas vezes, precisam reconstruir suas vidas em meio à exclusão. Já as plantas carnívoras, como dionéias e jarros, simbolizam a dualidade entre beleza e perigo, desafiando os estereótipos que muitas vezes recaem sobre a comunidade LGBTQIA+.

Um dos momentos mais marcantes da mostra foi o ato simbólico realizado pelo Ministro Luís Roberto Barroso, que carimbou duas das obras da série com o selo de “Válido” e a assinou. Após o encerramento da exposição, as peças terão destinos distintos: uma permanecerá no acervo do STF e outra será doada a uma instituição de arte nacional, perpetuando sua mensagem de justiça e inclusão.