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Goiânia

Valéria Pena-Costa: Peixe | Lagarto | Colibri: introdução a uma paisagem ‘ex-humana’
Curadoria: Marilia Panitz
09 de agosto a 27 de setembro de 2025

A mostra apresenta o trabalho recente de Valéria, focado na transição poética entre a representação realista e a dissolução das formas, explorando o diálogo entre a natureza e a ausência humana.

Texto por Marilia Panitz

Já não quero ser humana. Depois de Gaza, sou ex-humana. 
Rita Laura Segato

Ao entrarmos no espaço expositivo, encontramos as paisagens – seus recortes, suas evanescências. Não mais habitadas pelos seres humanos, elas indicam os  seus rastros. Sua localização é na fronteira entre as fazendas da infância da artista e a floresta, misteriosa, poderosa, assombrada. Floresta noturna – desbravada e imaginada – pois que habita os sonhos e os pesadelos (esta é também a beleza do trabalho).  

Esta exposição individual atravessa a produção recente de Valéria Pena-Costa. Partindo do trabalho desenvolvido na pandemia, nos são apresentados  seus exercícios de pintura que vão do rigor da tela sobre cavalete com representação realista de seus objetos à prática  diluição das formas e à expansão de suportes, que caracterizam uma fase de transição, em sua poética. 

Dividida em três momentos que se interpenetram, a mostra traz, da primeira fase, justamente o abandono das figuras (crianças em sua maioria) que adentram a mata em suas fantasias de bichos – tão presentes naquele período de produção. A mata, espaço desconhecido do  humano (muitas vezes parábola do inconsciente, de um  suposto enigma a ser desbravado) é deixada para seus habitantes originais, algumas vezes acompanhados de  vestígios da passagem do homem (e por esse olhar que os espia – o nosso). Na seleção dessa fase, agora exibida, está ausente a emblemática obra Tocaia (2022-23) – uma imponente montagem com cerca de quarenta pequenas telas. Ela é sucedida por outra que segue a lógica de montagem da primeira, mas mais enxuta, traz o nome de Confraria (mesmo princípio, pinturas semelhantes e um deslocamento simbólico).  

Na série desenvolvida posteriormente, há a experimentação de novos suportes e a  sobreposição de pinturas (um desejo instalativo, talvez). São os ‘queimados’, madeira  reaproveitada e chamuscada antes de receber a tinta. Talvez uma reunião de anotações visuais. O material ganha também o espaço tridimensional com sua negras casas de pássaros.  Puro estranhamento. Há certa sujeição à catalogação deteriorada em fantasmagoria da imagem dos animais. A forma resiste, mas emula dissolução. É aí que a disputa pela sobrevivência, no ambiente tornado  hostil para seus habitantes, se revela mais claramente (mas é acompanhada de certas notas de um crochê em ponto corrente, capricho que evoca as avós, evoca outros tempos inventados). Sua pontuação são as aves de rapina. Sobreviventes, urubus, carcarás. 

As obras mais recentes têm como ambiente recorrente a água (as vezes como rio, outras vezes como neblina, transparência) menos palpáveis, mais alusivas (como colibris em seu vôo)… iniciam-se nos verdes e azuis escuros que surgem do breu e chegam aos vermelhos… de água, de fumaça… São quase suspenção do tempo e do movimento,  projeção de um vir a ser nostálgico (que desejamos habitar, apesar do seus perigos). O impossível.