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Brasília

Túlio Pinto: Simples e Composto
Curadoria: Divino Sobral
18 de outubro a 22 de novembro

Esculturas que se destacam pela contenção formal, rigor técnico e profundo diálogo entre materiais como aço corten, vidro temperado e pedras, todos de origem mineral, que se encontram em composições marcadas por equilíbrio, tensão e cumplicidade.

Curadoria por Divino Sobral

Túlio Pinto cria suas esculturas conjugando poucos verbos e flexionando, com parcimônia, sua gramática de procedimentos formais. Sintético, preza as ações limpas que não deixam rebarbas conceituais e que se colocam com sobriedade técnica e contenção de recursos retóricos, revelando uma subjetividade silenciosa que se instala por meio da articulação entre materiais que, apesar das diferenças, possuem origem comum no reino mineral: vigas de aço corten, lâminas de vidro temperado e pedras.

Suas esculturas derivam de um sistema criativo de economia regrada, tributário de diferentes vertentes da escultura realizada no século XX, sobretudo daquelas que prescindiram do ato literal de esculpir, recusaram a função narrativa, renunciaram ao uso de pedestal e passaram a adotar técnicas como a montagem, a promover a redução da obra à estrutura ou a se apropriar de elementos industriais ou naturais. Os ensinamentos do construtivismo, do minimalismo, do pós-minimalismo e da arte povera reverberam em suas operações, ao mesmo tempo simples e sofisticadas.

Na produção de Túlio Pinto, a ideia de simplicidade se alicerça na clareza do seu método de trabalho, que possibilita o desenvolvimento da linguagem escultórica como modalidade até certo ponto aberta, ajustada ao espaço e por ele atravessada. Sua simplicidade assemelha-se à das letras, que revelam complexidade ao assumir a força inicial da linguagem que movimenta o processo de criação das palavras. Suas esculturas originam-se da articulação de mônadas básicas e atuam no espaço da galeria como letras, desenvolvendo uma escritura plástica.

Agindo de maneira intensa na constituição das obras, a ideia de composto é expressa na combinação das formas, no arranjo entre partes orgânicas e geométricas, na proximidade mantida entre materiais antagônicos e, também, no afinado diálogo entre a escultura e o espaço que a abriga. Para o artista, o composto se manifesta como “cumplicidade” estabelecida em diferentes camadas da constituição das obras, e sua importância pode ser mensurada pelo fato de algumas esculturas apresentadas nesta exposição receberem esta palavra como título. Aplicada como dispositivo técnico e poético que aciona a engenharia das obras, na cumplicidade encontra-se atado o nó das relações formais que estreitam os vínculos internos dos sistemas de colaboração e de parceria entre os materiais, que é o princípio estruturante da produção do artista.

As operações desenvolvidas por Túlio Pinto por meio da cumplicidade entre os universos metálico, vítreo e pétreo criam um rol de questões interessantes para se pensar a situação da escultura contemporânea: tensões; pressões; pesos; delicados equilíbrios; pouso no piso; ocupação da parede; suspensão no espaço. Em todas essas situações, destaca-se o risco eminente contido tanto no encontro das materialidades quanto no posicionamento das obras no espaço arquitetônico, que explora o ponto de cruzamento entre forma e contexto, mobilizando o entorno e requerendo grandes áreas de parede branca e de espaço vazio, necessárias ao bom desempenho de sua performance tridimensional.

Os materiais empregados por Túlio Pinto na confecção de seus trabalhos possuem seus próprios arcos de significação e, postos em conjunto, agenciam um inusitado campo de interpretações. As vigas, os perfis e as chapas de aço conservam a memória mítica da metalurgia e reafirmam o poder das técnicas de transformação da matéria extraída do interior do mundo. A lâmina de vidro, matéria originalmente associada ao uso na arquitetura, contribui com sua principal qualidade plástica, a transparência, e com a fragilidade latejante sob o risco. Já o vidro soprado é empregado para criar formas de aparência orgânica, semelhantes a órgãos ou a bulbos, que ficam encaixadas, exatamente, nos pontos de grande tensionamento da escultura, sendo, portanto, ainda mais suscetíveis e frágeis.

A pedra carrega enorme lastro simbólico. Se bem atirada, pode quebrar o vidro ou pode derrubar o gigante Golias. Ao longo do tempo, a pedra adquiriu importantes significados por meio da configuração de sua imagem na literatura, especialmente na poesia, onde tomou sentidos profundos atrelados à existência humana: João Cabral de Melo Neto postula que “uma pedra de nascença entranha a alma”; Carlos Drummond de Andrade encontra na pedra a dificuldade cotidiana refletida na memória: “Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra”; Cora Coralina, superando os julgamentos sociais, escreve: “Entre pedras que me esmagavam/ levantei a pedra rude/ dos meus versos”; e Arnaldo Antunes corrobora cantando: “Dura a dura pedra. Dia a dia perdura. Perdi-a”.

A pedra acolhe muitas metáforas. É um documento da geologia e testemunha de tempos imemoriais. Aparentemente banal, é revestida pela energia do sagrado: no candomblé, está presente no assentamento dos orixás; no cristianismo, marca a origem do papado: “Sobre essa pedra edificarei a minha igreja”, conforme anunciou Jesus no Evangelho de Mateus. A pedra é uma matéria que acompanhou a história da escultura, e o embate com ela implicou vencer a dureza do granito, desvelar as figuras contidas no bloco de mármore e descobrir o drama barroco guardado na pedra-sabão. As pedras presentes nas esculturas de Túlio Pinto evocam o amplo repertório de imagens agregado a esse mineral, minimizando a visada puramente formalista na qual muitas vezes sua produção é enquadrada.