Goiânia

A mostra reafirma a singularidade da obra de Rodrigo de Castro, herdeira das tradições construtivas brasileiras, mas conduzida por um percurso autoral que escapa a filiações estritas e formula seu próprio vocabulário visual.
Curadoria de Divino Sobral
A exposição do artista mineiro Rodrigo de Castro reúne pinturas e esculturas executadas nos últimos seis anos. Exemplares de seu repertório, esses trabalhos exibem algumas das operações desenvolvidas com a linha e com a cor aplicadas disciplinadamente sobre o plano e que caracterizam sua linguagem, mostram seu vocabulário geométrico e seu método de construção, que são tributários tanto da rígida economia formal postulada pela ordem concretista quanto da liberação da cor no espaço defendida pelo neoconcretismo. Sua obra é herdeira, mas não filiada a essas tendências, e opera de modo próprio, sem pretender realizar as revoluções plásticas anteriormente aspiradas pelo construtivismo histórico.
Rodrigo de Castro emerge no cenário artístico brasileiro durante a segunda metade da década de 1980, quando a pintura já havia recuperado seu prestígio depois de sofrer sucessivos ataques, promovidos pelos defensores da desmaterialização da obra de arte e do conceitualismo antiretiniano, e, recomposta, impunha-se como a modalidade plástica predominante nos circuitos institucional e comercial. Encerrada a noção de ciclo evolutivo da história da arte, abolida a obrigatoriedade de produzir constantemente o novo, categoria que acompanhou o desenvolvimento da teoria crítica moderna e o desenrolar das pesquisas artísticas de vanguarda, instava-se no corpo da pintura praticada nos cenários internacional e nacional uma intensa revisão das valiosas tradições pictóricas ocidental e brasileira, e buscava-se atualizar questões formuladas em períodos anteriores (não só modernistas). Foi assim que o prefixo neo passou a frequentar as classificações das produções artísticas da época.
A pintura brasileira realizada a partir da década de 1980 tornou-se inteiramente plural, abrigando elementos oriundos de diferentes genealogias, períodos e tradições, e, dentro desse quadro, os traços genéticos do construtivismo nacional se manifestaram incisivamente sobre a produção de Rodrigo de Castro, marcando-a desde então.
As pinturas mostradas nesta exposição evidenciam o atual processo criativo de Rodrigo de Castro, pautado pela síntese e direcionado por uma economia formal restrita às linhas horizontais e verticais, operando uma espacialidade organizada dentro de um sistema cartesiano, regulador da combinação de formas geométricas (retângulos, quadrados, faixas, linhas-fendas) trabalhadas com precisão laboratorial sobre o próprio limite da bidimensionalidade do suporte.
O cerne dessas pinturas de Rodrigo de Castro é formado pelas soluções dadas às equações plásticas de forma e cor que ele resolve com clareza a cada obra. Os trabalhos resultam da metodologia meticulosa, que envolve a racionalidade com uma camada de paciência meditativa, com a qual ele conduz os problemas das equações, resolvendo-os de modo a produzir a harmonia e o equilíbrio, gerando unidade de conjunto entre esses elementos de linguagem, operando com repetição, com simetria e com assimetria, e jogando, às vezes, com os contrapesos do vazio e do cheio nas elegantes composições.
Seus avizinhamentos cromáticos, ora sutis, ora acentuados, exploram combinações sofisticadas, enfatizando o encontro de propriedades como capacidade de cobertura, densidade, tonalidade, musicalidade e atmosfera afetiva das cores. As sucessivas camadas de tinta são aplicadas em leves pinceladas superpostas, que buscam desaparecer sobre a superfície, indicando que o artista aspira não deixar vestígios de sua pessoalidade sobre a materialidade da obra, que, por sua vez, sem conteúdo literário, sem assunto social e sem realizar comentários sobre as vidas privada ou pública, se revela como poética autorreferente, endereçada aos próprios meios da linguagem.
A exposição apresenta, também, algumas esculturas realizadas com placas de aço pintadas com tinta automotiva. Rodrigo de Castro veio a enfrentar essa modalidade de expressão após os anos 2000, e nela empregou o mesmo raciocínio construtivo que rege suas pinturas: a equação forma e cor. Suas esculturas integram outra importante tradição artística brasileira, aquela que flexiona o plano no espaço tridimensional, desdobrando-o no território da escultura. As superfícies de metal são estruturadas enquanto forma e não como volume: a linha fende a superfície do metal e permite ao olhar atravessar o plano para encontrar o espaço em torno; a cor chapada cobre a superfície, acolhendo as variações da luz ambiente; a intersecção dos planos cruzados abre a possibilidade da forma se manter de pé, assentada em seu próprio eixo e peso.