Brasília
A exposição apresenta um grupo de pinturas, criadas para esta ocasião, postas em convivência com um conjunto de desenhos e desenhos-colagens selecionados dentro da produção realizada durante os últimos cinco anos, compondo um panorama que evidencia a maturidade da obra do artista e o refinamento de sua pesquisa visual.
Curadoria por Divino Sobral
Com uma trajetória de mais de quatro décadas, Elder Rocha representa um pilar na construção da arte contemporânea produzida na região Centro-Oeste do Brasil, especialmente aquela situada na capital federal, Brasília. Ele se destaca tanto como artista, pela qualidade e grandeza de sua obra, quanto como professor, pelo compromisso com a formação de novos artistas, sendo inegável que sua maneira peculiar de problematizar os elementos da sua linguagem artística influenciou as produções de alguns nomes formados sob sua tutela, sendo ele, portanto, um artista que abriu caminhos para as novas gerações.
Desde o princípio de sua carreira, Elder Rocha considerou a pintura como modalidade de expressão implicada na fricção da história da arte com o desejo de criar algo que se poderia chamar de ‘novo’. Entendeu-a imbrincada no atrito entre a subjetividade e a grande quantidade de imagens prontas disponíveis no mundo contemporâneo, compreendeu-a como linguagem produzida no confronto do gesto firmado na pincelada, que se pretendia livre e vigorosa, com a resistência do suporte e com a abundante complexidade da matéria pictórica. Já no início, o artista, insatisfeito com os padrões vigentes que tomavam grande parte da produção à época, passou a recusar soluções óbvias e acomodadas e a buscar a expansão dos códigos plásticos, encarando a pintura como um corpo a ser descarnado e expandido.
O conjunto construído por Elder Rocha ao longo dos anos revela uma obra sólida, madura, extensa e instigante, que nos desafia com sua erudição apurada. Obra sofisticada e rigorosa, armada com operações autorreferentes e marcada pela recusa a desenvolver narrativas externas à sua própria materialidade, concentrada em dispor os elementos pictóricos e gráficos no tênue limite entre o proposital e o acidental, o programado e o acaso.
A exposição Música baixa e insetos mecânicos apresenta um grupo de pinturas, criadas para esta ocasião, postas em convivência com um conjunto de desenhos e desenhos-colagens selecionados dentro da produção realizada durante os últimos cinco anos, formando um extrato que permite observar a maneira como Elder Rocha transita entre distintas modalidades, conduzindo o dilatamento de seu campo de pesquisa e sendo fiel ao seu princípio constitutivo, firmado na investigação do aspecto formal da linguagem artística.
As pinturas tocam uma “música baixa” e operam com uma sintaxe seca que explora as propriedades dos materiais e suas funções sobre a superfície. É audível o murmúrio proveniente da herança da arte povera, encontrada no uso de materialidades pobres, manipuladas com sobriedade sobre o nobre suporte de linho cru esticado sobre o chassi. Desde a década de 1990, Elder Rocha vem investigando a função e o significado do suporte na pintura, tratando-o como campo ativo da obra e não como mero fundo, recusando a representação e anulando a função de janela ilusória da pintura, postulando que o suporte é indissociável da natureza da linguagem pictórica, na qual atua com uma força de grande intensidade.
Nas pinturas aqui presentes, é parco o uso convencional de tintas. Nelas, não é a matéria pictórica que interessa, e sim o raciocínio, o vocabulário e o modo de fazer, voltados à expansão da pintura. Esses trabalhos atualizam a pesquisa do artista, conciliando o conceito de combine painting com os usos de materiais ready-made e do objet trouvé, trabalhando forma e cor por meio de elementos alheios ao tradicional mundo da fatura pictórica. Nas pinturas maiores estão afixados metais e restos de madeira usada em construção, encontrados ao acaso, um cubo de resina com um inseto aprisionado em seu interior, uma toalha de mesa com bordado à mão inconcluso; nas pinturas menores, aparecem tecidos xadrezes ou listrados, ilhoses, vieses, cordões e alfinetes industriais. São materialidades diversas que acordam memórias discretas, adormecidas. Sobretudo nas pinturas de pequeno formato, adquire grande importância a invenção dos jogos de composição, que brincam com a escala, a dinâmica e o ritmo da distribuição espacial dos elementos de origem prosaica.
No processo criativo de Elder Rocha, desenho e pintura são exercitados como práticas complementares, embora o primeiro pareça ser o laboratório de ensaio, onde o pensamento do artista mergulha em diferentes questões. Insetos mecânicos apelidam os desenhos e os híbridos desenhos-colagens, trabalhos que guardam estranheza e possuem intensa presença gráfica, que problematizam a fronteira do suporte, a informalidade das manchas, o enigma do borrão, o descontrole do escorrimento, o desígnio da linha, as tensões surgidas na conversa do orgânico com o geométrico, a disputa simbólica entre a representação mecânica e o gesto pulsional, a imprecisão entre o calculado e o fortuito. A lógica da colagem se apresenta até mesmo nos desenhos que são inteiramente feitos à mão e que aproximam fatos plásticos de origens opostas; é essa lógica que mobiliza os fluxos entre as linguagens, permitindo que ocorram reelaborações dos sistemas visuais internos da obra do artista.
Os trabalhos executados sobre papel, desenhos e desenhos-colagens investigam profundamente a energia intrínseca às manchas gráficas informes e são desenvolvidos em agrupamentos que problematizam questões particulares. A continuidade regular da pincelada trazida da técnica oriental do sumiê é empregada para criar formas semelhantes a casulos. A ênfase às bordas do papel fixa os extremos da superfície para destacar a aparição da luz ou da escuridão no interior do campo plástico. O emprego das pequenas linhas de metal indicia relações com o tempo e o desgaste da matéria. As espessas massas de tinta acumuladas no interior de formas ovoides evocam camafeus. Sobretudo, chama atenção o recurso das formas geométricas, quadrangulares e retangulares, recortadas em material de cor prata e brilhante, adesivadas sobre alguns agrupamentos de desenhos, cobrindo o calor de sua fatura com frieza e impessoalidade.