Goiânia

Em “Paisagens da Imprecisão”, David Almeida apresenta um conjunto de pinturas e monotipias que, embora remetam à paisagem, têm como foco central a investigação da própria pintura. A mostra revela um artista que manipula cor, luz e gesto com sofisticação e consciência histórica.
Em sua primeira mostra individual em Goiânia, David Almeida (brasiliense radicado em São Paulo) exibe pinturas e monotipias que representam paisagens imprecisas, aparentemente impossíveis de determinar, terrenos fantasmáticos que evocam a memória do corpo da pintura ocidental.
Ao longo de sua trajetória, o artista voltou-se para a paisagem com o objetivo de investigar a própria pintura mais do que documentar lugares do mundo. A história da arte nos ensina que a pintura de paisagem tomou forma de acordo com as épocas e suas respectivas maneiras de representar. Durante o Renascimento não possuía status de assunto e estava circunscrita aos contextos de fundo das cenas representadas. Com o estabelecimento da Academia, a partir do século 17, foi classificada como um dos gêneros acadêmicos, porém de valor inferior àqueles considerados como superiores: a pintura histórica e o retrato. Com as proposições modernistas, a representação da paisagem foi transformada pela gradativa conquista de autonomia do plano, do gesto e da cor, pelo aprofundamento da experiência subjetiva e pelos processos construtivos que visavam a configuração racional de uma ordem plástica e social moderna.
David Almeida opera com a história da arte sem fazer citação, releitura ou revisão. Seu trabalho consiste em retomar a tradição, esmiuçando os elementos da matéria pictórica que tornam possível criar no espaço bidimensional a ilusão de profundidade e a atmosfera da paisagem. Está posicionado no cruzamento da tradição com o espírito do presente, atualizando elementos colhidos nas sintaxes das pinturas produzidas principalmente pela linhagem pós-impressionista e pela segunda geração de pintores modernistas paulistas. Em suas obras, o manuseio singular da cor, caracterizada pelas tonalidades rebaixadas e sóbrias, a luz enigmática e a aplicação expressiva da pincelada se diversificam conforme os problemas a serem resolvidos, de acordo com as propriedades e dimensões dos suportes e das técnicas empregadas na pintura e na monotipia.
David Almeida cria paisagens que enfocam geralmente o meio rural, representando uma natureza na qual se manifesta a expressão do sublime, atravessada pelo sentimento de ameaça de dissolução do mundo configurada por meio da ausência de contornos e pela mancha, que atua no desmanche da precisão borrando os limites entre as coisas, questão muito presente na pauta contemporânea. Em suas pinturas, o discreto bucolismo aponta para uma nota de romantismo, um tanto melancólico, sussurrando o encantamento com a paisagem construído simultaneamente pela vivência com a natureza e pelo conhecimento da história da arte.
David Almeida manifesta preocupação com a fatura, que também se constitui como integrante da sua poética. Nas pinturas existem o cuidadoso controle da densidade da tinta, o gosto pela caligrafia das pinceladas e a exploração de diferentes suportes, pondo ao lado da tela e do linho objetos semelhantes a paletas, feitos com cerâmica, e placas de madeira coletadas à maneira do objet-trouvé. Nas monotipias, a vontade de expandir a amplitude e a velocidade do gesto movimenta um drama, quase barroco, entre luz e sombra. Chama atenção a desenvoltura do artista para trabalhar sobre suportes de diferentes materialidades e escalas, sobretudo os pequenos formatos que convidam o espectador a se aproximar com passos miúdos e com olhar intimista.
É assim, de modo parcimonioso e ancorado na herança da tradição, que David Almeida aborda a imprecisão da vida contemporânea.
Divino Sobral
curador