Menu

Brasília e Goiânia

A Casa Sente a Força do Terreno Em Que Habita
Curadoria: Divino Sobral

Refletir a heterogeneidade do grandioso território regional e evidenciar o processo de formação da arte contemporânea no Centro-Oeste são os pilares da proposta curatorial da exposição coletiva, realizada simultaneamente em Brasília e Goiânia. A mostra reúne obras de 23 artistas cujas produções exploram as relações entre cultura e natureza, a força do fantástico, a expressividade da linguagem figurativa, a reescrita da história e a autonomia dos meios.

Acontecendo simultaneamente em Brasília e Goiânia, esta exposição apresenta obras de 23 artistas presentes no elenco da Cerrado Galeria. São, em sua maioria, residentes de diferentes regiões do Centro-Oeste. Outra parcela dos artistas vem de diferentes lugares do Brasil, mas suas obras ressoam questões levantadas por artistas locais. A proposta curatorial ressalta a singularidade de cada um, ao mesmo tempo que reafirma a pluralidade decorrente de diferentes realidades sociais. Assim, a coletiva visa refletir a heterogeneidade do grandioso território nacional, mas olha para o processo de formação da arte contemporânea a partir desta parte do Brasil.

A ideia que norteia esta reunião propõe que a arte aqui produzida segue caminhos bastante ramificados, pavimentados em diferentes tempos conforme a história, a formação e a realidade de cada unidade que a constitui: Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal. São territórios que possuem suas próprias histórias das artes, o que implica considerar que o regional e o cosmopolita, o olhar para dentro e o olhar para fora coabitam nesta imensa região. Após sofrer fratura interna que promoveu o isolamento de seus membros e ter sua paisagem desfigurada pela ação da modernização e do progresso, o Centro-Oeste busca refletir sobre si mesmo para se recompor, entendendo-se como zona de grande interesse nacional e global.

É grande o papel da produção artística e do circuito de arte na elaboração dessa tarefa de olhar de maneira nova para a região, visto que a arte questiona e desloca os conceitos estabelecidos, instaurando um processo de revisão das camadas estruturais da cultura local. Articuladas no plural, a qualidade formal, a voltagem poética, as diferentes formas de inteligência plástica e a dimensão superlativa de beleza exibidas pela sua produção artística formam os motivos pelos quais o Centro-Oeste tem despertado interesse do circuito artístico.

A exposição reúne um elenco heterogêneo, formado por artistas em diferentes etapas de percurso: medalhões consagrados, artistas em meio de carreira e emergentes. Há nomes vindos das gerações surgidas no final dos anos 1960 e nas últimas três décadas do século XX, assim como novos artistas das primeiras décadas do século XXI. O grupo agrega criadores com variadas formações, desde autodidatas até aqueles com trajetória acadêmica consolidada, evidenciando o papel relevante que o desempenho teórico possui hoje no campo artístico, particularmente em Brasília e Goiânia.

A mostra também reúne diversificadas linhagens artísticas e tópicos poéticos que buscam responder aos problemas e inquietações de um mundo cada vez mais instável e inseguro. Na região onde a natureza é constantemente ameaçada por desmatamento, queimadas e uso desregulado do solo e da água, é legítimo que parte da produção artística tenha como tema as relações entre cultura e meio ambiente – sejam poéticas, sejam políticas. Assim, as obras refletem sobre as transformações dos ambientes naturais causadas pela ação humana, por meio das técnicas de dominação, cultivo, domesticação, exotização e destruição.

A fauna aparece enlaçada ao fantástico em trabalhos que investigam linguagens simbólicas subjetivas, conectadas à profundidade da psique e do inconsciente. São obras que incorporam a desmedida dos delírios, a fantasia da fabulação, a espiritualidade dos encantamentos e as metamorfoses das mitologias, demonstrando a dimensão não lógica acoplada à vida humana. Percebe-se a alta valoração dada à linguagem figurativa, que se revela contaminada por referências dos mais diversos extratos, sejam elas herdadas da arte popular, provenientes do modernismo ou ofertadas pela cultura de massas e pela imagem fotográfica, usada como uma espécie de modelo. No campo da pintura, destacam-se duas operações simultâneas: uma consiste na investigação dos códigos próprios da linguagem pictórica; a outra, no trabalho do artista como apropriador e editor de imagens, criando a partir do outro.

A consciência da necessidade de reescritura da história trilha caminhos paralelos àqueles que questionam tanto a exploração predatória da natureza quanto a proposta de redimensionamento da importância do Centro-Oeste. Há cerca de quatro décadas, a narrativa oficial da história vem sendo criticada por não tratar das chagas produzidas pela formação colonial, como o preconceito racial e o desnivelamento social.

Com esta coletiva, exibida em duas versões, a Cerrado Galeria apresenta seu elenco, revelando um perfil de atuação aberto, convergente e atento às necessidades da contemporaneidade. Assim, reafirma seu compromisso com a História da Arte do Centro-Oeste, como uma casa que sente a força do terreno em que habita.

Divino Sobral

Curador